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Antonio Houaiss

 

Na medida em que entram os sentidos do sentido – como significado, como significante, como sinal, como símbolo, como ícone, como sema, como semema, como lema, como emblema, como ideologema, como profetema, como apocaliptema, como psiquema, como carismatema, em suma, como unidade fluente de um hipossistema de sistema de sistemas –, compreendemos que ele, o sentido, não pode haver sem sua outra face, o sem-sentido: aqui, no sem-sentido, estão a entropia e o caos, as ausências, a liberdade tão absoluta que não é liberdade, pois é liberdade compulsória, sem opção, vale dizer,  não-liberdade: ali, no sentido, está a neguentropia, certa ordem, certo cosmo, certas presenças, certas determinações, certas interdependências, certas interliberdades interligadas. O trágico na arte é que, em havendo humano – um objeto achado, mas por ser humano –, há, pelo menos, sempre, o sintoma e a síndrome de outras coisas humanas, até patológicas, por exemplo, ou sociopatológicas, por exemplo. E como separar isto daquilo, em certos momentos da história? É na interface daquelas duas faces que parece estar o sentido e o sem-sentido de certas formas e substâncias de arte. Imaginemos o artista não artesão, não artífice, a jogar o dado do azar, a lançar a flecha ao ar, e a colher, ao acaso, o número platônico que governa um mundo ou o mundo, ou atingir o pássaro de ouro pousado na menor haste da campina. E imaginemos o artista criador a concretizar o número  platônico ou a querer fazer que o pássaro de ouro pousado na menor haste da campina entoe seu canto de cristal. 

 

É como como vejo as gravuras de Lêda. Não fujo ao fascínio de enfrentar o aleatório buscado. O acaso esperado, o surto desejado, o evento emerso, o caso inesperado – mas captados. Pois que acaso, surto, evento ou caso é ele dominado, acariciado, trabalhado tão amorosamente,  tão amorsofridamente, que a contaminação de  psiquismos –  e dela e o do contemplador – deixa de ser milagre, porque deriva de uma mediação concreta instalada no retângulo (ou que outra geometria tenha) do  papel, onde se inscrevem todas as linhas e todas as sugestões, cromáticas ou acromáticas, oníricas, telúricas, empíricas, fantasmáticas, talássicas, selênicas, urânicas – menos um sem- núme ro de não sugestões. Lêda refaz o caminho da arte: domina a técnica com aprendizado diuturno de longos anos e com grandes mestres, e – vendo-se e sentindo-se cada vez mais senhora do seu fazer – quer um fazer que vê na linha do seu horizonte: um aproximar-se da linguagem visual que quer ser mais  poderosa  que quaisquer verbalizações e é uma busca tão intensa, tão vibrante, tão apaixonante, que explodiria, se não fosse contrapesada pela garra da sua técnica. 

 

Desde Goeldi, a gravura brasileira vem superando o desafio da qualidade e da continuidade na diversidade, graças a fiéis artistas profissionais (é este o termo), mulheres e homens. Lêda está nessa linhagem, por direito do seu saber, do seu fazer, do sentir, do seu fazer sentir artísticos.

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